segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Enigma do feminino


Alguém já disse que a dimensão telúrica da mulher fundamenta--se na sua relação com Natureza. A mulher está “no mundo” (dentro), e não “com o mundo” (fora), como acontece com o homem. São duas maneiras de o “ser consciente” relacionar-se com sua circunstância. A mulher sente o mundo, enquanto o homem precisa analisá-lo para compreendê-lo. A intuição feminina assentaria nessa intimidade com a Natureza, consubstanciada na identidade do inconsciente feminino com as forças vivas da criação. Por tudo isso o encantamento que o feminino evoca repercute a magia de um enigma.
Não se pode definir com precisão o “feminino”, e, todavia, é nele que está o poder de sedução pelo qual a mulher se torna provocante e “poderosa”. O mistério que a envolve, é o “leitmotiv” do sonho romântico e da poesia, em oposição à obviedade masculina. O homem se revela por inteiro, expondo-se, desarmado, ao olhar do “outro”. Por isso, sai do sério quando se descobre, quase indefeso, sem chão para uma pretensa superioridade, culturalmente, construída...
A mulher é amável por todas as manifestações legítimas do gênero feminino. As que tocam os sentidos externos encantam e seduzem pela beleza estética fonte do estímulo que induz o frisson sensual; as que tocam os sentidos internos comovem pela modulação afetiva delicada e sutil. O máximo fascínio está no “feminino exemplar”, o modelo que reúne todas as virtudes representativas do gênero. Embora só exista como idéia pura, o mistério que o envolve está presente em todas as mulheres. Assim, a mulher seduz por sua presença física, mas cativa por suas virtudes menos óbvias como a cordura, a receptividade, a disponibilidade confiante e sensata, a segurança, a fidelidade crítica e delicada a si mesma, e a coerência dos próprios sentimentos.
Nas relações de gênero, a cupidez do homem diante da plástica harmoniosa feminina evolui, insensivelmente, para a sensualidade que busca o contato pele a pele, e, ainda assim, num lampejo de espiritualidade diviniza a imagem da mulher amada. A atração implícita nestas relações se exerce, de início, através do encanto, da sedução, e da expectativa do prazer sensual. Mas o climax do encontro é a relação inter-subjetiva, consubstanciada no “nós” existencial. Contudo, este é, também, um modelo ideal. O homem nunca desiste de realizar o encontro perfeito, mas raramente o consegue e, na maioria das vezes, contenta-se com relacionamentos menos exemplares sem os quais, porém, sua vida seria mais vazia. Lamentavelmente, a maioria dos pares humanos vive sob o império da sensualidade e muitos não percebem a pobreza existencial desse nível de ligação
Em quaisquer circunstâncias, o enigma do “feminino” confere à mulher um poder sobre o homem que só o poeta sabe exaltar em cantos e versos. É pena que algumas não saibam utilizar este potencial inato, desperdiçando-o ...
            No seu significado mais transcendental, o enigma do feminino se reporta à origem do Universo. Nesta perspectiva é oportuno lembrar o pensamento oriental ao afirmar que o encontro, em plenitude, do feminino (Yin) e do masculino (Yang) reflete a união dos Princípios eternos, opostos e indissociáveis que constituem a unidade do absoluto (Tao). No plano histórico, o masculino e o feminino obedecem à “lógica fatal das coisas, lei eterna da criação”[1] como diz o Poeta inspirado no mistério da existência humana que elege como ideal “...a imensa aspiração de ser divino no supremo prazer de ser humano”[2].


[1] Raul de Leoni em “Instinto”
[2] Raul de Leoni em “Ode a um Poeta morto”.

Um comentário:

  1. belas palavras vozao! na passagem "O homem se revela por inteiro, expondo-se, desarmado, ao olhar do “outro”. Por isso, sai do sério quando se descobre, quase indefeso, sem chão para uma pretensa superioridade, culturalmente, construída..." nao poderia deixar de mencionar a "inferioridade feminina, culturalmente, construida". sou a favor de uma mudanca de perpecpcao coletiva de todas as relacoes socio-conscientes entre homem e mulher.
    grande beijo!

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