quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Corrida de revezamento



O idoso é mais sensível ao tratamento que recebe dentro da própria família, como profissional, ou membro da coletividade. É óbvio que esta sensibilidade exaltada tem a ver com a idéia que o idoso faz de si mesmo. Aliás, isso acontece em qualquer idade. Nossas reações são subordinadas à autoavaliação que fazemos... quanto mais elevada a autoestima, mais ponderadas são nossas respostas nas situações existenciais em que nos envolvemos. O agravante, no caso do idoso é que, dadas as circunstâncias do envelhecimento, cresce a necessidade de atenção especial sem a qual ele se sente abandonado... pior ainda quando pressupõe ser credor desse cuidado como prêmio por seu desempenho nos anos idos. Embora uma visão crítica deste pressuposto mostre ser injustificada a idéia de os filhos obrigarem-se a dar assistência integral ao idoso pelo que ele fez no passado. Injustificada porque os feitos apresentados como o motivo de tal presunção fizeram parte, à época, da postura politicamente correta exigida pela conjuntura familiar. Portanto, nada é devido a quem quer que seja por ter agido da única forma decente que a ocasião exigia. O que não anula o respeito mútuo, e a solidariedade entre filhos e pais idosos, alicerçada em sentimentos espontâneos. A gratuidade do envolvimento sincero de idosos e jovens confere uma aura de nobreza ao relacionamento entre ambos. Mas esses laços de solidariedade são construídos numa longa convivência equânime, justa e generosa. Consolidá-los custa uma vida de pequenas renúncias, muita paciência e  disponibilidade para doação.
São tantas as perdas sofridas, que o sentimento de menos valia do idoso é muito frequente. Ele percebe que está ficando para trás, natural e inevitavelmente. É a realidade. O trem da história está em movimento permanente, e dele temos de saltar na hora certa para ceder lugar aos que vão chegando. Essa retirada para os bastidores da “existência” é sempre dolorosa, mas não precisa ser trágica. É salutar a analogia com uma corrida de revezamento. Indispensável se torna passar aos mais jovens a missão histórica que nos coube, depois de cumprirmos a nossa parte. Da mesma forma que não há desdouro em entregar o bastão ao atleta descansado, na competição esportiva que tomamos como paradigma.
Os mais jovens, ciosos de ocuparem os espaços que pleiteiam e que merecem, deslocam os mais velhos das posições que ocuparam quando no pleno uso das suas capacidades. Na vida social algo semelhante acontece. Os papos habituais dos moços giram em torno de acontecimentos acadêmicos, esportes, encontros lúdicos, festas, e namoricos... Por mais atualizado, participante, e aberto às novidades que seja, o idoso não consegue acompanhar a vida trepidante dos mais moços; assim como são raros os jovens que estão dispostos a sorver a sabedoria dos mais velhos numa conversa interessante.
Todo homem sabe de sua própria fragilidade e finitude. Mas ao passar dos anos choca-se com a realidade. Poucos estão realmente preparados para enfrentar as perdas da velhice com estoicismo, bom senso e ânimo para continuar produtivo, de alguma forma.
Entre os idosos existencialmente centrados, a humildade e a sabedoria andam sempre juntas. Surpreendentemente, há indivíduos iletrados que se tornam sábios, não obstante serem ignorantes. Isto confirma que o equilíbrio das potências da alma no culto à verdade e no compromisso com a justiça é latente na dinâmica da consciência reflexiva. Portanto, ninguém está excluído da possibilidade de desenvolver a humildade com a própria experiência de vida... mas isso demanda sempre um esforço consciente dirigido, a longo prazo. Pelo que o número de anos vividos não garante a sabedoria, irmã gêmea da humildade...
Para muitos a saudade incontrolável dos verdes anos obstrui a serenidade no ocaso da vida. Mas chega sempre o momento em que a realidade vence a fantasia dos saudosistas e a própria Natureza ensina como fazer o revezamento necessário e inevitável, nesta corrida histórica na qual fomos inscritos compulsoriamente.

6 comentários:

  1. Oi pai,

    Muita reflexão para todos nós!! Não é só a finitude que inquieta... as transformações inevitáveis aqui perfiladas, também precisam ser "digeridas" com sabedoria!!
    Vamos em frente... esta é a única opção, se quisermos "passar a página" do livro da existencia!!! Temos que viver... e viver bem!!!
    Bjo

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  2. Obrigado filha pelo comentário judicioso.
    Beijo.

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  3. Painho,
    Não sei se foi sempre assim ... dos mais velhos sofrerem ao contactar com os efeitos do envelhecimento. Sei que hoje se realça mais as perdas que os ganhos advindos com a idade... Será que sempre foi assim? Tenho sérias dúvidas.
    Acredito que a "cultura do descarte" e a "ditadura da beleza", inscritas de forma bastante contundente em nossos dias, têm intensificado nos idosos o sentimento de que já não são tão importantes, de que já não despertam o interesse de alguém, enfim, pensamentos que os conduzem inevitavelmente à trágica conclusão que o "nosso tempo passou", por isso, tem que entregar o bastão para quem vem com mais fôlego e velocidade. Sei não, painho. Temo a velocidade dos nossos dias. Talvez esteja preferindo a lentidão dos idosos ... há uma sabedoria nessa lentidão... Preciso aprender a ser mais lenta antes que esta lentidão se imponha pela idade.
    Convivo com a juventude, cotidianamente, não só em função dos meus filhos, mas também dos meus estudantes que, em sua maioria, são jovens. Percebo que há uma beleza na juventude, inegavelmente; mas, não sei se trocaria minha idade pela deles. Às vezes lamento pelos jovens da atualidade que não conheceram o que foi "viver à moda antiga". Temos que reconhecer que tivemos algumas transformações fabulosas na atualidade, mas muitas coisas são melhores "à moda antiga" que "à moda atual".
    Outro dia estava pensando de onde vem a minha admiração e empatia, quase que instantânea, pelas pessoas idosas... a resposta veio de forma imediata: pelos idosos que conheci (e conheço) no transcurso de minha existência familiar. Aprendi a amá-los e respeitá-los desde pequenininha. Às vezes sinto falta dos cabelos brancos dos idosos. A "ditadura da beleza" tem feito com que a maioria deles esconda seus fios brancos para aparentarem mais novos... é tão lindo saber envelhecer com dignidade... este é o meu grande propósito. Ser humildade é realmente uma qualidade importante não só para sabermos envelhecer mas para a condução de toda a vida. Não podemos nos fixar em tempos idos, quando éramos mais jovens, mais bonitos e ágeis. Talvez este não seja o melhor ponto de referência para nos pensarmos no presente. Acredito que o melhor ponto de referência nem é o passado nem o futuro: é o presente. Só temos o presente para viver. Então, ele é o melhor. Sei que só o tempo produz a maturidade (irmã gêmea da humildade) que faz toda a diferença na condução da vida. Não sabemos quando nossa corrida chegará ao fim; nem muito menos temos certeza de para onde ela vai nos conduzir. Então, painho, quero dizer que você não está sozinho nesta corrida de bastões. Estou ao seu lado, também envelhecendo... com todas as perdas e os ganhos próprias da condição humana. Sua quase caçula também pinta os cabelos porque ainda não teve coragem suficiente para enfrentar a "ditadura da beleza". Mas, quem sabe conseguirei este feito no ano que se inicia. Assim, ficaremos fisicamente mais parecidos nesta corrida da vida. Beijo da filha, Ruth.

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  4. Filha
    Você tem razão. Hoje as perdas da velhice são mais realçadas do que os ganhos. Mas as mudanças que vêm com os anos sempre foram alvo de atenções. Cícero, ainda ao tempo do Império Romano é apontado por seu interesse sobre o tema. Acontece que na antiguidade a vida média do homem era de 30 anos, e hoje já ultrapassou os 72. Consequentemente era muito menor o número de idosos... geralmente, pessoas especiais, admiradas por sua sabedoria. Hoje o número de idosos é muito maior, mas a cultura capitalista reduziu a um pequeno grupo o daqueles física, econômica e intelectualmente capazes de desfrutar de uma forma produtiva sua anosidade. Todavia, agora, como antes, com o envelhecimento “o corpo e o espírito se arriscam a ser extintos como a chama de uma lamparina privada de óleo.” Esta fatalidade, porém, não deve abater as pessoas que, com a graça de Deus conseguem resistir à saudade do passado, ou, pelo menos, ao desejo insano de reeditá-lo. As oportunidades inerentes aos verdes anos não voltam mais, e é preciso estar apto a absorver as perdas irrecuperáveis. Se tal não acontecer, correremos o risco de confirmar a assertiva de Ivo Pitangui; “O envelhecimento deixa algumas pessoas ridículas.” Este cirurgião plástico se referia à tentativa de conservar a aparência jovem a todo custo, sem aprimorar os valores espirituais. Certamente não falava de moderados recursos cosméticos que ajudam a tornar as pessoas mais apresentáveis. Intelectualmente, o idoso pode e deve se esforçar para continuar agradável e estimulante por suas ideias, mas, fisicamente, precisa pelo menos não se mortificar com o novo perfil... De minha parte confesso que isso não é fácil... a fácies gerôntica me incomoda... mas nada que a visão clara do problema não consiga dissipar. Com os “pés no chão”, sob a luz de uma visão crítica do momento que vivo estou conseguido ser idoso sem me tornar ridículo, ou mesmo apenas velho.
    Com cuidados sistemáticos com o corpo e o espírito, desde os verdes anos, as pessoas podem alcançar a idade avançada com boa qualidade de vida. Isso inclui a aptidão para passar o “bastão” (a missão que lhes coube no passado) para alguém mais jovem igualmente competente. Daí a necessidade do preparo de novos “recordistas”, uma tarefa que, lamentavelmente, a sociedade organizada não encara com muita seriedade... Tem sido sempre assim, em todos os tempos, em todos os lugares. Isso faz parte da contingência humana... a solução reside na ação ética, responsável, de todos, em todos os níveis das atividades individuais e coletivas... Utopia que, todavia, constitui o leitmotiv do ideal que acalentamos de uma Humanidade solidária.

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  5. Passar o “bastão” é uma questão de objetividade e bom senso que não nos deve abater o ânimo por abrir mão de uma função que desempenhamos com sucesso durante algum tempo.
    A cultura do descartável e da pressa é, a meu ver, um efeito paralelo das mudanças tecnológicas que estamos experimentando nos últimos setenta anos. O ritmo da existência mudou, mas os recursos cibernéticos podem conciliar a rapidez e a perfeição. Com otimismo espero que os nossos sucessores consigam realizar esta proeza. Pensando assim, porque preferir a “lentidão” à rapidez eficiente? Não sei se era exatamente a isso que você se referia ao “temer a velocidade dos nossos dias”... O importante é direcionar para o bem comum os projetos que os instrumentos modernos de trabalho podem ajudar a concretizar...
    Filha, quando imagino a troca de idades de que você falou, “em passant”, estou certo de que trocaria, sim, com a condição de conservar a maturidade que tenho hoje. Ora, isso é impossível, pois a maturidade tem sua feição própria em cada etapa da vida... E quanto às peculiaridades da “moda antiga” das quais sentimos falta, cabe ponderar... O que reprovamos na “moda atual” é o ônus inevitável que pagamos para ver o que acontece ao virar a página de uma cultura industrial mecânica, para uma cultura tecnológica cibernética. Virada a página cabe-nos trabalhar criativamente os recursos maravilhosos da modernidade na construção de uma humanidade solidária. Como você sabe, com os instrumentos de que dispomos hoje, podemos construir uma paraíso aqui na Terra ou destruí-la. Vamos ler com atenção redobrada esta página da História humana, certos de que somos capazes de realizar o melhor. Por mais ingênuo que possa parecer, este otimismo aponta o único caminho para a sobrevivência da humanidade.
    Você tem razão, a realidade está no presente em que a gente age e constrói. O passado e o futuro são ilusões. Portanto usemos todo nosso talento aqui e agora, sem romper o equilíbrio cultural no qual estamos contextualizados, mas sem arrefecer na luta contra os desvios éticos que teimam em corromper o processo.
    Beijo do pai.

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  6. vozao... to no seu time. to correndo, mas ainda muito longe, atras do senhor. mas querendo passar o bastao tendo aquela boa conversa nos sabados de manha, to dentro. poderiamos ate fazer um momento descontraido, talvez regado a boa musica e recheado de sorrisos e reflexoes, o que acha? e nao precisamos, necessariamente, esperar por um proximidade fisica. o que acha? lembre-se que to correndo...
    grande beijo!

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