Diante do cadáver de um ente querido vive-se a experiência mais chocante que um homem pode vivenciar; solitária
porque jamais partilhada, e silenciosa porque não há como traduzi-la. Depois do
primeiro impacto psíquico emocional projetam-se na memória do protagonista
desta experiência lembranças boas ou más da convivência que mantivera em vida
com aquela pessoa, agora falecida. Lembranças misturadas com a terrível certeza
de que o silêncio da morte é para sempre. E muitas vezes é nesses momentos que
nos damos conta, os que ficamos, de quanto aquela pessoa é importante para nós. E como gostaríamos de tê-la de volta!
A expectativa de um fim inevitável acompanha e faz sofrer os pobres
mortais! O medo da morte afeta de muitas formas todos os homens. Não cremos ser
possível a um ser consciente em condições normais não temer a própria morte. Mas
nada há que se possa fazer para anular a resistência em aceitar o
envelhecimento e o medo de morrer. A finitude inevitável quando se torna
consciente cria expectativas dolorosas. Aceitar, pois, o envelhecimento e a morte é a
atitude mais razoável que o homem pode desenvolver. Não obstante resistimos à
ação demolidora do tempo e sofremos ingenuamente porque não podemos mudar o
nosso destino biológico.
Assuntando sobre o medo mais difundido entre os humanos imaginei
analisar como seríamos afetados se não estivéssemos biologicamente condenados a
morrer. E se não fôssemos mortais? Cairíamos numa outra situação igualmente
embaraçosa. Viver, indefinidamente, dias
e noites as mesmas experiências que acabariam se tornando cansativas pela
repetição, dadas as limitadas possibilidades de inovação que, finalmente, se
esgotariam! Prolongar o tempo de vida não garante incrementar a criatividade
renovadora, e então afundaríamos numa rotina exasperante tão ou mais
desagradável do que a expectativa da morte. A morte ainda pode ser a transição
para uma forma mais evoluída de vida. Passagem para uma experiência inédita de
perfeição inatingível por seres biológicos limitados a uma realidade temporal, apenas
assistidos pelos cinco sentidos cuja acuidade seria sempre empobrecida por mais
perfeita que fosse a nossa organização neuronal. Esta sim seria uma condenação semelhante
à de Sísifo considerado o mais astuto dos mortais pela mitologia grega. Sísifo foi
condenado por toda eternidade a empurrar, dia após dia, uma enorme pedra de
mármore montanha acima. Quando chegava no topo da montanha a pedra rolava de
volta para o sopé atraída por força irresistível. Pode-se imaginar destino
pior? Não seria essa uma condenação do homem, a de carregar dia após dia o
fardo de experiências repetidas, interminavelmente, dada a inevitável limitação
da própria criatividade no âmbito da temporalidade?
O estado de consciência mais avançado, o êxtase, alcançado por alguns
iogues não é constante. Isso sugere ao observador atento que para chegar à sua
plenitude o homem deve escapar da temporalidade a que está acorrentado.
Portanto a morte biológica seria necessária para a realização da experiência humana
mais radical e permanente, ou seja, a união do amor, da alegria, da gratidão e
da bondade divinas numa transfiguração radical de cada ser consciente.
Depois de confrontar os elementos da análise que vimos de fazer com o
medo de morrer salta à vista o equívoco deste temor. Numa perspectiva
evolucionária é evidente que a morte biológica não deve ser encarada como o fim
da jornada humana, porém como uma transição da vida temporal para a vida
transtemporal, definitiva, livre dos riscos da finitude, sem conflitos
consagrada à unidade perfeita do amor infinito. Afinal, há um resíduo imaterial
no homem que se esconde na sua capacidade de pensar e no requinte da
criatividade artística. Se percebermos a coerência desta análise já não será
tão arrasadora a experiência descrita no início deste texto. A morte não seria
então uma fatalidade terminal, mas uma necessidade evolutiva do ser consciente.
Nessa perspectiva será compreendida no sentido legítimo de sua função como
parte de um processo indispensável para a Evolução do próprio homem.
Everaldo Lopes
Sr Everaldo sua reflexão me ajudou a entender melhor o que senti quando meu irmão e meu pai morreram. De alguma forma me ajuda a entender o envelhecimento de minha mãe e o meu também!
ResponderExcluirUm abraço
Denise Coimbra