O cosmo, a vida, o homem são realidades cuja complexidade desafia o
entendimento racional. Contudo, astrofísicos, paleontólogos, arqueólogos,
biólogos e antropólogos tentam compreender cada vez mais os segredos que
envolvem a origem do mundo, a estrutura da vida e a condição humana. Suas investigações
nos oferecem, hoje, uma visão impressionante do que possivelmente aconteceu. Os dados obtidos através da
observação científica são estonteantes. E mesmo assim tudo que sabemos é apenas uma
aproximação da realidade. À luz da teoria do big bang a matéria surgiu há 15
bilhões de anos, depois de uma grande explosão fenômeno que deu o nome à citada
teoria. Por muito tempo após a fantástica explosão a matéria primitiva permanecera caótica, feita de radiações que alternavam com partículas
subatômicas movendo-se a velocidades próximas à da luz, submetidas a
temperaturas altíssimas e a pressões
inimagináveis. Nesse ambiente físico não havia condição sequer para a organização
de um simples átomo de hidrogênio, o mais simples de todos. Com o resfriamento
paulatino as subpartículas foram se organizando em átomos, moléculas e corpos
compostos, numa complexificação crescente, e há 5 bilhões de anos surgiu a
Terra, obviamente, ainda despovoada de qualquer forma de vida. Muito depois, há
3,5 bilhões de anos surgiram nos oceanos primitivos organismos monocelulares equivalentes
a bactérias e algas. Em seguida, através de muitos ensaios biológicos evolutivos
sobrevieram sucessivamente, os moluscos, os peixes, os anfíbios, os répteis, as
aves, os mamíferos e dentre estes os antropóideos, os hominídeos e finalmente o
homem capaz de reconhecer-se como consciência reflexiva. Nele há 1 milhão de
anos começaram a desabrochar capacidades como a de pensar logicamente, a de
imaginar, a de refletir, e de articular uma intenção. Mas só há 200.000 anos
desenvolveu-se do gênero homo, a espécie sapiens capaz de dominar o raciocínio
abstrato, de fazer introspecção e resolver problemas, assim como introduzir
mudanças programadas no meio ambiente. Há 50.000 anos na subespécie sapiens
sapiens da qual somos representantes, o homem alcançou a melhor performance
dessas características. Mas só 3.000 anos antes de Cristo nasceu a primeira
escrita silábica, marcando a passagem da pré-história para a história. Grosso
modo podemos dizer que o patrimônio cultural humano com registro escrito se
estende durante os últimos 5.000 anos.
A
cultura progressivamente construída pelo homem é cumulativa, por isso o acervo
cultural evolui de forma exponencial. Mas durante um longo período esse
processo caminhou a um ritmo muito lento. Só há muito pouco tempo o crescimento
cultural exponencial se tornou mais evidente. Examinando os fatos que marcaram
a Evolução mais recente, constata-se que embora a subespécie que representamos
exista há 50.000 anos, surpreendentemente, nos últimos 65 anos o progresso
científico e tecnológico foi maior do
que o que ocorreu nos 49.935 anos anteriores. Estamos
sentindo, hoje, na própria pele a repercussão cultural deste progresso.
Para evidenciar uma visão
panorâmica temporal da Evolução, Carl Sagan propôs comprimir o tempo de
existência do universo em um ano do
calendário solar. Nessa escala o big bang teria ocorrido no segundo inicial do
dia primeiro de janeiro do calendário cósmico, e a história escrita do homem
estaria se desenrolando nos últimos segundos do dia 31 de dezembro deste mesmo
ano.
Não obstante o avanço cultural
constatado em nossos dias, o mundo apresenta-se ainda dividido em centros de
excelência civilizacional ao lado de grandes bolsões de pobreza e ignorância
caracterizados por precárias condições alimentares, habitacionais e sanitárias
de grupos humanos numerosos. Essa disparidade ameaça a própria Evolução que a
fim de seguir adiante deve contar com a solidariedade comunitária de todos os homens,
incompatível com as diferenças econômicas e sociais excludentes. A razão desse
descompasso da caminhada evolutiva é que
avançamos muito do ponto de vista científico e tecnológico, porém muito
pouco do ponto de vista emocional, e solidário. Em verdade essa discrepância
repousa em que para ampliar o conhecimento objetivo da realidade basta fazer
uso apropriado da razão; enquanto a capacidade de interagir com o próximo em
função da solidariedade coletiva exige muito mais, demanda esforço pessoal competente e mantido
no combate ao egoísmo e à ambição, coadjuvado pelo compromisso com o bem comum.
Aliás, como já sinalizamos antes, dessa conquista depende o futuro da própria Humanidade.
O homem ocupa na linha da Evolução o momento em que o vetor do movimento evolucionário muda de direção, da estruturação
e aprimoramento biológico dos indivíduos humanos, para a organização social dos
mesmos. Ou seja, a partir do homem a Evolução dependerá da capacidade dos
indivíduos de organizarem-se em comunidade. Os humanos devem impor-se
livremente uma organização social flexível que garanta a sustentabilidade da
espécie, mediante comportamento criativo, original, diferentemente de
tentativas evolutivas anteriores de organização social confiada a determinismos
instintivos (sociedade das abelhas e das formigas). Dessa forma recai sobre o
ser consciente a responsabilidade de contribuir com sua ação livre, criativa,
para o desfecho da própria Evolução. Mas, não obstante assumir no processo
evolucionário a dimensão de parceiro voluntário do próprio “Dinamismo absoluto
criativo”, o homem continua vivenciando sua condição de criatura, finito, preso
às limitações temporo-espaciais. Continua prisioneiro dos prazos inextensíveis
da vida biológica, escravo de sua contingência incerta, com tempo de validade determinado
e previsível. Diante das incertezas inerentes à própria contingência, na sua caminhada
evolutiva o homem sente necessidade de um referencial totalmente confiável que o
oriente sem deixar dúvidas sobre os caminhos a seguir e a forma correta de
participar da evolução. Sem um referencial totalmente confiável o projeto
existencial fica limitado por um sistema de referência incapaz de definir com
autoridade o papel que cabe ao homem protagonizar
na história da Evolução. A ciência, por sua própria natureza objetal não pode propor um valor
absoluto transcendental que sirva de referência ao processo evolutivo. Então,
para preencher essa necessidade o homem recorreu em diferentes épocas a uma
autoridade externa representada ora por entidades mitológicas, ora por
divindades cultuadas mediante práticas religiosas. De qualquer forma fica bem
claro que para sua completa realização o homem
necessita arrimar-se num absoluto transcendental. Ora este absoluto transcendental ultrapassa os
limites da matéria sugerindo uma
realidade espiritual que fundamenta o mundo, revela-se na condição
humana, e nela o homem se realiza
plenamente. Realidade eventualmente vivenciada numa experiência subjetiva
essencialmente mística[1]
(existem relatos históricos de místicos
famosos). Ao admitir uma mundividência
espiritualista torna-se presumível que quando
a morte sobrevier a consciência assumirá sua essência transtemporal, num outro
nível de vida.
Do que ficou dito depreende-se que reconhecendo a própria contingência a segurança e a felicidade do homem nessa vida
consiste na sua contextualização num todo
absoluto, essencialmente significativo com o qual mantenha uma relação de
confiança. Nesta contextualização o ser consciente conta com a certeza de que
na unidade absoluta tudo tem sentido,
desfazendo-se nela todas as contradições. Mesmo que jamais venhamos a entender
nessa vida por que as coisas acontecem do jeito que acontecem, a favor ou
contra o nosso desejo, os desencontros temporais que transtornam a realidade
histórica não perturbarão a harmonia da unidade absoluta de tudo quanto existe.
No vir a ser histórico do homem o sofrimento é tão fugaz quanto o prazer que a
vida pode oferecer. Conceitualmente podemos dizer numa linguagem mística que só
a unidade transcendental (em Deus) de todas as consciências reúne toda paz e
felicidade possíveis para todo o sempre. Especulações metafísicas podem dar
suporte remoto a essa visão espiritualista criacionista do cosmo, da vida e do
homem. Mas a fé filosófica que busca apoiar-se nestas especulações não tranquiliza tanto quanto a crença ingênua
que não procura um amparo racional para consagrar a existência individual a um Deus pessoal
interessado em sua criatura.
Everaldo Lopes
[1]
Experiência subjetiva em que um indivíduo dá testemunho de ter tido um encontro ou uma união
com entidade divina, ou ter tido contato com uma realidade transcendental.
Painho,
ResponderExcluirImpressiona-me sua capacidade de sintetizar a história da vida de forma tão clara e, paradoxalmente, tão simples...
Somos realmente um pontinho num imenso e complexo universo, que vem se constituindo há bilhões de anos. Quero crer que há um sentido para a vida que nos transcende; mas, para além disso, buscamos em todos os dias de nossas vidas, imprimir um sentido às nossas existências.
Diante de toda a grandeza do processo que você descreveu tão bem, é preciso reconhecer a nossa insignificância, sem desconsiderar a importância do ser humano nesse processo evolutivo que resultou na constituição da consciência, do ser pensante, reflexivo, capaz de amar e inventar a vida de forma criativa como efetivamente fazemos.
Gostei de sua síntese; evidentemente, para chegar a esse nível de pensamento e compreensão foi preciso acumular um estoque de conhecimento que fica evidenciado em cada linha do seu texto que nos põe, em alguma medida, numa posição de perplexidade...
Adorei o seu escrito. Ajuda a visualizar, no tempo e no espaço, o tamanho de nossa existência demasiadamente finita (para não dizer "desconcertantemente" finita...).
Beijo, da filha,
Ruth.