Percebo Deus como
Dinamismo absoluto[1]
eternamente criativo presente na intimidade de suas criaturas! A lógica
complexa do processo evolutivo cósmico, biológico, psicológico e social é a
própria essência de Deus. As leis invioláveis que presidem a Criação representam
o discurso divino. E o amor do Criador às suas criaturas se manifesta na
harmonia do Universo, prenúncio de radiosa unidade (encontro). Amar é reunir o que está separado, e separação
pressupõe unidade original absoluta. Unidade rota para o observador temporal (criatura
inteligente) cuja percepção limitada à contingência, fragmenta a simultaneidade absoluta dos momentos (eternidade). O “Todo Absoluto”
é o encontro definitivo, sem tempo, expressão
ontológica do Amor divino (o que justifica a afirmação de S. João: “Deus é
amor”). Enquanto o amor humano é a vivência da expectativa do “encontro”. O homem se insere no contexto da Criação
como colaborador na construção de uma convivência justa e solidária, numa busca
ativa (existencial) do encontro total
que só se realiza em Deus, mas passa necessariamente pelas relações humanas
solidárias.
Nossa Ciência e vã
Filosofia jamais penetrarão o mistério[2] da Criação. Todavia o
assimilamos quando intuímos a complexidade insondável do macro e do microcosmo,
ou vivemos a sintonia das variadas manifestações do amor, ou vivenciamos
momentos de plena integração numa totalidade inexcedível (experiência mística que
se traduz na vivência da unidade consciência-mundo). Reconhecendo a perfeição do
Todo (absoluto), vivemos sem resistência o mistério do “Ser”, numa atitude de
entrega mística... Conscientes de que a rebelião contra as limitações da
contingência humana é uma incongruência existencial que descuida a disciplina da
sensualidade ambiciosa e impede a plenitude do encontro. O verdadeiro místico
vive humildemente a integração num Todo perfeito e significativo, identificando-se
com o Absoluto no “momento” completo em si mesmo da vivência de unidade de todas
as consciências pessoais em perfeita comunidade. Nesta perspectiva a verdadeira
prece é mais do que um discurso, são atitudes interiores de solidariedade e
compaixão, confirmadas por ações correspondentes. Na oração, reconhecemos nosso
vir a ser precário, mas damos testemunho de gratidão ao Criador pela graça das
possibilidades imensas que nos assistem. Pedir a Deus é pôr em prática as nossas
potencialidades temporais como membros de uma comunidade, para alcançar os
objetivos mais nobres, pessoais com implicações coletivas.
O Absoluto cifrado[3] no Universo revela-se no
homem através das funções psíquicas superiores. Mergulhando no reino da
subjetividade é inevitável assuntar o toque misterioso do link entre as reações
físico-químicas que ocorrem na intimidade dos neurônios, e a emergência da
consciência reflexiva, do pensamento lógico matemático, do sentimento, e da vontade.
E, por outro lado, não se pode negar a
influência psíquica sobre o soma[4]. Porém jamais a
Ciência poderá determinar o ponto de transição entre os fenômenos biológicos e
as funções psíquicas superiores, nem como se explica na intimidade celular a influência
dos estados de espírito (humor) sobre a biologia da célula, reduzindo as
defesas imunológicas e desencadeando muitas doenças. É sabido que as defesas decaem
quando o indivíduo vive crises de pessimismo, e se elevam por influência do
otimismo e do sentimento de segurança; o estresse prolongado produz úlcera
gástrica, doenças coronarianas e outras. Ora, para que tudo isto ocorra são necessárias
incontáveis interações bioquímicas nas células do nosso corpo físico. A
realidade é muito complexa e a partir de certo momento escapa às mensurações
científicas. Mas há interações sutis ditas instintivas entre os seres vivos e a
Natureza. Senão, como explicar fenomenologicamente os grandes movimentos
migratórios de aves e peixes? No plano psicossocial também não se explica
objetivamente como se dá a comunicação subliminar. Mas ela é um fato. Li, não
sei onde, o resultado de uma experiência em que se projetava, durante a
exibição de um filme, em letras ilegíveis num cantinho da telona a recomendação
“Coma pipocas”. E após a projeção, ao sair do cinema os espectadores foram em
bandos comprar pipocas. Eles não tinham consciência da leitura do anúncio, mas
se comportaram como se tivessem sido sugestionados (de forma subliminar) pela
insinuação nele contida. Testes cientificamente conduzidos demonstraram a
eficácia de comunicações telepáticas fisicamente inexplicáveis!... Todos estes
fatos evidenciam que na realidade palpável
atuam forças que escapam à explicação científica. Então, por que não admitir
que a prece coletiva feita com fervor opera resultados extraordinários? O que
habitualmente recebe a denominação de milagre é um encurtamento do tempo que a
natureza levaria para alcançar espontaneamente um efeito determinado. Em se
tratando de fenômenos físicos corresponderia a uma catálise inusitada, pela intervenção
de recursos naturais ainda não conhecidos. Em se tratando de fenômenos sociais implicaria
num reforço à realização de um desejo comum, que resulta da convergência de
forças psíquicas. Em ambos os casos o milagre escapa a uma explicação
científica, objetiva, mas não viola as leis que regem a Criação, abrindo espaço,
todavia, para atribuir-se aos fenômenos incomuns a intervenção de um poder
absoluto misteriosamente presente no mundo aparente, palpável!... Não foi à toa
que Jesus, o homem mais inteligente, intuitivo e sábio que já habitou este
Planeta disse aos que o seguiam: “Quando dois ou mais de vós vos reunirdes em
meu nome estarei presente entre vós”. Ele sabia que a unanimidade das
consciências pessoais retém um poder que ninguém possui individualmente. O que
se opõe, então, à admissão de que este poder, agindo através da comunhão de
criaturas inteligentes é uma emanação do próprio Deus, capaz de promover
resultados que não se explicam cientificamente? Segundo o Holismo[5] representaria no
contexto de uma lógica complexa a influência do Todo na organização das partes!
Lamentável e
inevitavelmente, a mensagem existencial e comunitária dos mestres espirituais, ontologicamente
alicerçada, se transforma em um discurso ético nas pregações pastorais.
Mumificada na rigidez da letra, a mensagem apenas estabelece limites éticos nas
relações entre a criatura e seu Criador. Assim, as preces se tornam uma prática
solitária. Mesmo reconhecendo o valor histórico das Instituições religiosas,
sabemos que é impossível institucionalizar uma mensagem existencial. Todavia
não há outra forma de transmiti-la através das gerações senão num contexto
institucional. Sem este recurso poder-se-ia perder o “lembrete” da mensagem
original, uma fórmula apenas, todavia capaz de induzir reflexões transcendentais,
e de sensibilizar os que tiverem a ventura de ler nas entrelinhas, uma verdade
que não se pode verbalizar.
É mister rever a
pedagogia da evangelização, enfatizando mais o valor da ação solidária, do que
a obediência cega ao estatuto ético. Vista por esta ótica, a virtude é própria da
ação comunitária, e não se resume à aceitação intelectual de um preceito!
É inteiramente
incompatível com a coerência lógica a desvinculação do Dinamismo Absoluto
eternamente criativo, de sua criação. Conceitualmente o Absoluto tudo inclui,
nada existe fora d´Ele. N´Ele o Todo é que determina a integração das partes! A
Criação não é um fato isolado, mas um fazer permanente no qual a criatura consciente
e o Criador estão necessariamente implicados. Nesta perspectiva, a eternidade
não vem depois, mas é algo que já está no “presente”, movimento intérmino,
constante... janela através da qual o ser consciente assiste ao desfile do
tempo cósmico que se desfaz no absoluto intangível, sem princípio e nem fim.
Perdoem-me
os realistas científicos e dogmáticos. Não me confundam com um panteísta
materialista. Mas, vivo a crença num Dinamismo Eternamente Criativo
indissociável da sua criação; humildemente, minha Religião se confunde com o
exercício consciente e responsável do Livre Arbítrio em busca da perfeição
perdida; a minha Catedral é o Mundo; minha família é a Humanidade!
Everaldo Lopes.
[1] Diz-se do que existe em si
e por si, não depende de outrem ou de coisa alguma. Realidade que fala através
dos fenômenos porém transcende as dimensões espacial e temporal.
[2] Mesmo que seja confirmada
a descoberta recente do Boson de Higgs esta conquista da Ciência continua sendo
apenas uma aproximação, nunca a revelação do mistério da Criação.
[3] Termo criado por Carl
Jaspers para caracterizar a presença do absoluto no ser contingente.
[4] O conjunto das células do
organismo vivo, com exceção dos gametas.
[5] Holismo: abordagem, no
campo das ciências humanas e naturais, que prioriza o entendimento integral dos
fenômenos, em oposição ao procedimento analítico em que seus componentes são tomados
isoladamente [Por ex., a abordagem sociológica que parte da sociedade global e
não do indivíduo.](Houaiss3)
T
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