Big-bang, matéria e anti-matéria, bilhões de galáxias somando trilhões de estrelas com seus sistemas solares (planetas e luas), a matéria escura, a energia escura, quasares e buracos negros, Universo em expansão... Eis alguns dos fenômenos espetaculares do cosmo misterioso. Finalmente, a previsão de um fim catastrófico daqui a bilhões de anos, seguido pela criação de novos Universos. Este é o quadro estonteante da realidade que os Astrônomos e Astrofísicos nos revelam.
Nesta turbulência cósmica, o planeta Terra gira com relativa tranqüilidade, orbitando uma estrela de 5ª grandeza, na Via Láctea, uma entre bilhões de galáxias espalhadas no Universo. O astro que habitamos faz parte do sistema solar e nele ocupa espaço insignificante do cosmo, mas reúne as condições necessárias à emergência da vida que, no curso de uma Evolução caprichosa, produziu um servomecanismo biológico[1] capaz de manifestar a consciência reflexiva. Todos esses acontecimentos só foram possíveis porque dentre infinitas “possibilidades”, a Terra estava no lugar certo, no tempo certo, dentro do esquema gravitacional da nossa galáxia!... Nada impede que entre os trilhões de estrelas dos bilhões de galáxias que povoam o Universo, outros planetas tenham reproduzido as mesmas condições físico-químicas e ecológicas da Terra, podendo abrigar, também, vida inteligente. Mas no cosmo imenso, o nosso Planeta é, até agora, o único exemplo conhecido, não obstante a procura incansável dos Cientistas, munidos de poderosos telescópios e sondas espaciais programadas para o reconhecimento da existência dos nossos irmãos cósmicos. O extremo avançado da complexidade a que chegou a matéria é o servomecanismo biopsíquico que tornou possível a manifestação da inteligência consciente... um fenômeno cuja natureza transcendental[2] não se esgota, inteiramente, na organização biológica. Pela consciência reflexiva o Universo se dá conta de si mesmo como um “todo” que reúne o infinitamente grande, o infinitamente pequeno e o infinitamente complexo. Transitando entre estes infinitos, a consciência pressente a grandeza de um Todo Absoluto... Absurdo racional que abre espaço para a especulação intuitiva de um Dinamismo Absoluto (permanentemente criativo) inscrito no mundo, e na vida.
Utilizando os recursos mais sofisticados da tecnologia, a Ciência cria ambientes artificiais que reproduzem as condições geológicas do momento em que surgiu a matéria e a vida, tentando desvendar os segredos que se escondem no mundo. Mas apenas consegue arranhar a superfície da ordem por vezes incompreensível que preside a caminhada espetacular desde a matéria primitiva (desordenada), até a eclosão da consciência que exige uma organização biológica de máxima complexidade. Já não podemos dar as costas para esta saga protagonizada pela matéria no roteiro de uma “complexificação crescente”[3] que no extremo avançado da Evolução permite a manifestação da consciência reflexiva. Desta estória nos tornamos testemunhas, ou melhor seus principais atores. Quando despertamos como seres conscientes, racionais, afetivos e querentes, estamos projetando no cosmo uma epifania[4] difícil de contestar, mas impermeável à compreensão racional. Pela contingência biológica somos imanência[5], e pela consciência reflexiva somos transcendência[6]. Nada descreve melhor o que vivenciamos diante de tal realidade estonteante, do que o “sentimento do sagrado” que o Teólogo Rudolph Otto cognominou “numinoso”[7]. É este sentimento que inunda o ser consciente diante do escândalo racional de um Dinamismo Absoluto que faz surgir de sua própria imaterialidade, o “nada”(?), a matéria primitiva, atuando na sua intimidade, moldando-a até o ponto de tornar-se nela manifesto através da alma humana, “...estado divino da matéria”[8]. Um cometimento que desafia a perspicácia da razão. O homem experimenta a consciência reflexiva, porém não sabe explicá-la...
É ingênuo perguntar: por que tudo isso? A trajetória foi longa e prodigiosa, desde a matéria primitiva feita de ondas energéticas e partículas subatômicas, caoticamente desorganizadas, até a complexidade da organização biológica e a emergência, no homem, da vida inteligente e consciente... Afinal, aqui estamos e somos uma prova inconteste desta Evolução!
Diante da grandiosidade do Cosmo – do big-bang ao fim catastrófico, seguido da origem de novos Universos – todo e qualquer projeto temporal vivido pessoalmente tem a efemeridade de uma bolha de sabão que se rompe sem deixar marcas... Mas fazendo um zoom na história do homem cada “pessoa” é uma realidade ímpar, elo misterioso entre Universos diferentes...
Cercada de incertezas, racionalmente incapaz de explicar o mundo e a consciência, a alma humana assume o monólogo hipotético do próprio cosmo, personificando-o, como se, identificando-se com ele, mitigasse suas próprias dúvidas, deixando-o falar por si mesmo.
“Sinto o calor da matéria nova
ávida de ser, voluntariosa,
cinzelada à bigorna do tempo.
Ouço crepitar as partículas
Da ígnea nebulosa original,
na lida caótica, medonha.
Nessa experiência telúrica,
sofro mil mortes, cada segundo,
e mil renascimentos, também.
Borbulhante, a matéria incipiente
busca sem saber, mas resoluta,
formas diferentes de acontecer...
E sob esse tumulto, fermenta
o mistério das transformações!
Nessa forja, o princípio de tudo...
Ondas, partículas e átomos,
moléculas, macromoléculas,
tudo foi se arrumando ao seu tempo.
Num prolongamento desse arranjo
Inexplicável e caprichoso,
circulavam nos mares primitivos
complexidades inesperadas...
Deu-se, então, o salto imprevisto...
Súbito a vida irrompe viçosa,
na noite mineral penumbrosa!
Afinal, criação ou anti acaso?
Qual a distinção metafísica?
Ouço a explosão da consciência
a reboar no espaço infinito,
quebrando o silêncio atro abismal.
Ouço o verbo, finalmente, audível,
bradando a liberdade insólita
no coração dos determinismos.
Sofro na carne o apelo sensual
da matéria ingênua, exigente.
Sofro n’alma o apelo do “sentido”,
despertado pela intuição
da unidade de tudo que existe.
Fecho os olhos e sinto sem querer...
A dor de ser alma, e de existir
à sombra da contradição fatal,
vivendo a morte, na impermanência
inevitável da contingência.
Fecho os olhos e sinto abismado...
o equacionamento dos contrastes,
invisível aos olhos da razão,
sobreposto a todos os colóquios
na intimidade holística, una.
Fecho os olhos e sinto, no entanto,
cada vez mais e sempre, ameaçada
pela fugacidade de tudo...
a vida perplexa e desprotegida,
ancorada apenas na esperança...
na expectativa de um amanhã.
Abre-se a cortina e vejo afinal:
a perplexidade embaraçosa,
a esperança desfeita em dúvidas,
o eu patético, e contraditório,
submisso ao império dos sentidos,
postulando, pretensiosamente,
ideais éticos ilibados!
Dói-me essa fatal incompetência
de abraçar, com amor, a finitude...
Sabe-me humilhante derrota
a espera passiva da morte!
Fecho os olhos e “intuo” atônito...
A verdade racional não basta
para preencher os desvãos da alma
sequiosa de amor e segurança...
Afinal, coerente, descubro...
Na gestalt pessoal convergem
a verdade, a beleza e a bondade,
prolongando o Princípio supremo
nos talentos criativos do homem.
Simples assim, e misterioso!...
Compreendo então a pura verdade!
Para transformar este mistério
Numa simples vivência intuitiva,
bastará que a razão, genuflexa,
renda-se ao absoluto intangível,
princípio e fim de tudo que existe,
que pulsa no tempo feito vida.
Essa humildade liberta a alma dos equívocos maniqueístas integrando-a, com todas as consciências individuais, na unidade da Consciência Universal. Fascinado pelo mistério do Cosmo e da consciência, deponho a ousadia intelectual e me rendo à intuição singela de uma verdade de fé – um “Princípio absoluto” – origem meio e fim de tudo quanto existe. Ou isso ou o mergulho no estoicismo niilista, num sono eterno, sem sonhos. Fico mais à vontade aderindo à primeira opção.
Everaldo Lopes
[1] Sistema Nervoso Central, sobretudo o córtex cerebral.
[2] Para observar-se e criticar-se, o ser consciente precisa sair de si (ultrapassar-se) sem desgarrar-se do seu núcleo pensante.
[3] Teilhard de Chardin – “O Fenômeno Humano”
[6] A capacidade de ultrapassar o real concreto ( imanência) é a natureza íntima da consciência.
[7] Segundo Rudolf Otto (1869-1927), teólogo e filósofo alemão, o sentimento único vivido na experiência religiosa, a experiência do sagrado, em que se confundem a fascinação, o terror e o aniquilamento. Aurélio Sec. XXI.
[8] Raul de Leoni do poema “De um fantasma”
Vô querido, percebo que em seu texto você mostrou algo que nunca vi desse angulo, espero poder enxergar de outras maneiras, outros assuntos também.
ResponderExcluirUm beijo grande, Maria Clara.
Clarinha
ResponderExcluirÉ um privilégio haver conseguido sensibilizar a minha querida neta para uma maneira diferente de ver a realidade.
Um beijo grande do Vô