quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Conquistando a felicidade



Todo mundo quer ser feliz... Mas a felicidade não existe como um sentimento centrado em si mesmo. A felicidade adulta, daqueles que já perderam a ingenuidade, e atingiram a idade crítica é uma conquista. E como toda conquista, supõe um esforço dirigido, não com o objetivo de ser feliz, mas de criar algo original no próprio quefazer, no campo das Ciências, das Artes, e do enriquecimento das relações interpessoais. A felicidade é consequência. Alcançá-la tem um custo. As moedas fortes no mercado da felicidade madura são: o autoconhecimento, a autocrítica imparcial e a criatividade.
A modéstia e a humildade levam o ser humano maduro a reconhecer a precariedade da condição humana e o justo valor do talento pessoal... Qualquer tentativa de sobrevalorizar a própria aptidão resulta num tombo desnecessário. Quem se arrisca a caminhar na corda bamba da mentira, mais cedo ou mais tarde desequilibra-se e cai. Não adiantam cavilações que são meias verdades, evocadas para empanar a mentira nelas embutida. Ninguém pode enganar todo mundo todo tempo. O respeito à verdade é o padrão ouro da auto-estima, condição sine qua non para ser feliz. Por isso,  a conquista fraudulenta em qualquer área das atividades humanas não produz a verdadeira felicidade.A firmeza do justo reside na adesão à verdade que lhe garante o equilíbrio diante do infortúnio e das perdas inevitáveis. 
Dirão os que me lêem: É fácil teorizar sobre o comportamento correto das pessoas; o difícil é praticar com sabedoria as virtudes necessárias!
Realmente, esta é a mais pura verdade! Só a sabedoria abriga as virtudes essenciais... e a conquista da verdadeira sabedoria é uma caminhada difícil, longa e pontilhada de obstáculos.   Não basta conhecer o roteiro até o altar da glória. É preciso ter a coragem e disposição necessárias para percorrer o itinerário até a maturidade sábia. Nesta jornada, além da ousadia e da determinação, o caminhante precisa contar com a influência de imponderáveis, propícios ou adversos, sobre os quais não tem controle.
O pensamento ilumina, mas é o sentimento que amarra e dá sentido à existência. A razão dá suporte ao pensamento, mas são as “razões do coração” -os sentimentos- que comandam a vida. Todavia, é preciso discipliná-los... Eles nunca se manifestam em estado de pureza. Estão sempre, furtivamente associados ao seu contrário, porque a presença de um pressupõe o seu oposto, momentaneamente, reprimido. O amor rechaça o ódio, a verdade rebate a mentira, a ordem faz retroceder o caos, a justiça resiste à  injustiça, e assim por diante.  O sentimento positivo e seu oposto variam linearmente... na medida em que um cresce o outro diminui, e vive-versa.
Só poderá aspirar à felicidade quem for capaz de equilibrar no seu interior os sentimentos opostos...  vaidade e humildade,  fantasia e objetividade, egoísmo e solidariedade, amor e ódio  etc.etc. Se não for assim sobrevirá a insatisfação mal humorada, quiçá pedante, manifesta no sofrimento por não poder acrisolar os sentimentos nobres, em busca de uma pureza utópica..
Dirão finalmente: Isso é compreensível, mas como realizar esta alquimia que reúne o pensamento e o sentimento para produzir um estado de espírito equilibrado, conservando em alta os sentimentos positivos, ricos de significado?
A dificuldade é a mesma implícita no sonho dos alquimistas medievais. Não existe uma metodologia capaz de promover a mudança desejada. O bom termo da façanha existencial resulta do trabalho de toda uma vida. Envolve ao mesmo tempo amor à verdade, inteligência, vontade disciplinada, honestidade, e, sobretudo, perseverança. Mesmo assim o epílogo desse esforço será sempre uma aproximação do ideal acalentado, nunca uma obra perfeita...
A primeira providência nesta caminhada é o reconhecimento e aceitação da precariedade da “existência” e da presença do contraditório no cerne da contingência humana. A partir daí o indivíduo construirá, passo a passo, a sua história, priorizando, coerentemente, os valores que dão sentido à existência, administrando os próprios talentos com sabedoria. É oportuno lembrar que este trabalho de lapidação interior não será solitário... nunca se alcançará a felicidade dispensando a dimensão social que fundamenta a realização pessoal.
                                  

8 comentários:

  1. ... quando acabei de ler a reflexão postada aqui, não tive dúvidas... preciso continuar na "laboriosa" atividade de buscar o equilíbrio interior dos sentimentos opostos!!!

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  2. Painho,
    Suas palavras sempre acalentam meu coração. É uma sabedoria aceitar a condição faltosa, imprecisa, contingencial de nossa existência. Mas, penso que se perceber finito, insuficiente, não nos tira o desejo da completude e do controle “de tudo” em nossas vidas. O caminho mais seguro é realmente nos agarrarmos em alguns valores, assumirmos o compromisso com a verdade, a justiça e o amor. Tenho valorizado alguns gestos como: a delicadeza, a generosidade, a compaixão, a compreensão, a solidariedade, o reconhecimento do outro como um sujeito de direitos. É um desafio seguir a trilha da existência com um mapa que valoriza o "amor à verdade, inteligência, vontade disciplinada, honestidade, e, sobretudo, perseverança", quando lidamos com tantos que pautam a vida pelo ódio, a competição e a destruição.
    Suas proposições para a "conquista da felicidade" são sábias e, ao mesmo tempo, muito exigentes. Não é fácil perder a ingenuidade da conquista fácil da felicidade, assim como não é confortável assumir-se impotente e precário diante da existência. Diante desta certeza, da finitude, da insuficiência e da impotência, fica muito difícil ter o justo reconhecimento dos nossos talentos e virtudes conquistadas ao longo da vida. A construção de uma alquimia entre a razão e a emoção, do equilíbrio dos sentimentos que nos constituem (na permanente tensão entre as pulsões de vida e de morte), é uma conquista saborosa, mas muito trabalhosa. É desconcertante conviver com as nossas ambigüidades, com o não saber, enfim, com o imponderável da vida.
    Ás vezes, painho, é muito difícil manter a "ousadia e a determinação"; principalmente quando partilhamos a nossa existência com muitos que não estão sintonizados com esses valores. Refiro-me, mais precisamente, aos que convivemos na lida do cotidiano social e profissional. Fiquei pensando na complexidade de sua proposição de que o “custo” para alcançar a felicidade seria caminhar com as “moedas fortes” do “autoconhecimento, a autocrítica imparcial e a criatividade”. O problema é que esse amadurecimento subjetivo exige um trabalho exaustivo, um compromisso com uma ‘ética existencial’ que, infelizmente, não é assumido por muitos. O detalhe é que não vivemos sós; e, manter-se verdadeiro, honesto, amoroso, justo, íntegro, humilde e solidário diante da mentira, da desonestidade, do ódio, da injustiça, da corrupção, do egoísmo do outro é um ato quase heróico. Só uma formação sólida pode resistir a tantos desabores mantendo a coerência existencial. Serei eternamente grata a você e mainha pelos valores que inscreveram em minha formação. Seu texto está lindo! Ainda teria muitas coisas para dizer, a partir do que ele me produziu. Farei isso ao longo de nosso diálogo. Beijo, da filha, Ruth.

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  3. ...Continuarei atenta às postagens neste Blog! Eita Rutinha... adorei... mais "tinta" para esta tela!!!

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  4. Filha
    Acho que estava pensando nas dificuldades que você sublinhou no seu comentário, quando, nos idos de 1986, escrevi o livro que tomou o título “Ser homem, um desafio”. Aliás, estive folheando, recentemente, este livro e seu conteúdo permanece atual.
    Cada vez mais me convenço de que para vencer os obstáculos ao exercício responsável da consciência precisamos da ajuda de imponderáveis, reflexos de um poder transcendental que vela por nós. Ninguém vence esta batalha sozinho... e a Transcendência protetora (aliada) está sempre no mais íntimo de nós mesmos, no “tu” infinito que nos constitui num “eu” e que, lamentavelmente, o “outro” (o “tu! Da nossa convivência social) não consegue representar.
    Mas sobrevivemos até aqui porque há sempre um saldo positivo nos altos e baixos do convívio social... Creio em que a poupança gerada por estes saldos acumulados renderá o juro necessário para “financiar” o custo da construção da comunidade humana. Um beijo do pai.Everaldo

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  5. A firmeza do justo reside na adesão à verdade que lhe garante o equilíbrio diante do infortúnio e das perdas inevitáveis. (Everaldo Lopes, 2010).

    Assim como a palavra está para o poeta, o bloco para o escultor, que dela extrai a forma, o poeta sempre liberta as palavras dando-as significado, direção e vida, para os que as leem.

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  6. Obrigado pelo comentário. Nele vejo que você entende ser o significado da palavra poética o resultado da interação entre o poeta e o leitor.Em prosa ou em verso, a arte de quem escreve é enfeitiçar... o feitiço da comunicação através de um texto que evoca mais do que afirma, manipulando nas entrelinhas os símbolos profundos que transitam no inconsciente do escritor e do leitor. Concorda?

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  7. Painho,
    Hoje pela manhã fiz um comentário despretensioso, mas que depois me deixou um pouco reflexiva. Disse assim: "Por que Deus não interfere mais fortemente na sociedade, impedindo o livre arbítrio daqueles que produzem tanta dor e sofrimento social?" Coincidentemente, quando acessei seu blog, encontrei seu comentário que se refere a uma "ajuda de imponderáveis, reflexos de um poder transcendental que vela por nós". Não questiono a proteção divina; aliás, tento perceber os seus sinais, cotidianamente. Dialogo com Deus permanentemente, para que oriente minhas palavras e ações. Mas, fico indagada sobre onde está a mão protetora de Deus quando alguém está sendo violentado, injustiçado ou sendo vítima de atos covardes... onde está Deus na vida dos que passam fome, dos que são vítimas de doenças incuráveis, enfim, dos que são assassinados brutalmente? Talvez esteja mobilizada pela situação de guerra que estou vendo acontecer no Rio de Janeiro: onde está Deus naquele contexto?
    Olha, não quero questionar a Deus... sou temente à Ele. Como creio na Sua misericórdia, penso que poderei escapar impune deste comentário que pode ser interpretado como um gesto de ousadia. E você me perdoará, pois os pais existem para orientar seu rebanho. Quero lhe ouvir sobre o assunto. Beijo no coração. Aproveito e peço sua benção! Da filha, Ruth.

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  8. Êita que essa "conversa" está ficando animada.

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