A perspectiva do fim .
(Uma abordagem existencial).
Antes da aceitação elaborada de
sua finitude o ser consciente fica refém do medo, da expectativa
ansiosa e da angústia. O sofrimento é diretamente proporcional à desesperança da superação de nossa contingência finita. Este sentimento é inerente à própria
consciência reflexiva, diria, algo inevitável posto que o próprio vivente tem
ciência antecipada do seu fim, e a finitude biológica anunciada lhe sabe uma
sentença fatal, mesmo antes de saber-se portador de grave enfermidade. Em face
desta antinomia todos vivemos num equilíbrio
existencial precário depois que perdemos a ignorância infantil da própria
fragilidade.
Ao passar dos anos, o olhar
adulto sobre o devir humano destaca o medo da morte agravado pela ideia da sua proximidade. Mesmo
descartando os exageros hipocondríacos, as pessoas
sofrem ao confrontar seu limite temporal, numa perspectiva realista. A vivência
será devastadora se não tivermos aprendido a amar, se não
praticarmos a generosidade, ou não nos sentirmos amados! É compreensível que nessas
circunstâncias, em luta contra medos e incertezas nos perguntemos: - Como reverter esta situação? A resposta
é óbvia : Optando pela prática do
otimismo e do comportamento generoso, esforçando-nos para respeitar e cuidar do
outro , dando assim
um passo
largo em
direção ao amor. Só a prática do amor liberta o
homem dos seus limites existenciais.
O exercício da generosidade começa quando
aprendemos a desenvolver empatia e descobrimos em
nós mesmos
as fraquezas do outro, o que nos faz assumir uma postura
solidária mostrando sermos capazes de oferecer amor , ou , pelo menos , o respeito que o outro merece. Evidentemente, todos esses movimentos
interiores só produzem os efeitos esperados quando vividos existencialmente e
não apenas formalmente.
O amor
ao semelhante, a uma causa ou
ideal significativo
é o grande antídoto
para o medo da morte. E não há empreitada maior e mais
respeitável do que a da autoafirmação
comunitária de cada um
de nós , como
pessoa, sob a égide da verdade
e da justiça , no esforço
de buscar , constantemente ,
o bem honesto cuja dimensão social fundamenta-se na
solidariedade. O compartilhamento comunitário é uma tarefa heroica que exige autoconhecimento, humildade ,
disciplina emocional, objetividade, e
não dispensa a ajuda da misericórdia divina tal é a sua envergadura. Pois o esforço exigido pela elaboração
positiva do sentimento de que tudo é provisório nesta vida demanda um espírito
superior e inspiração divina. Ouso dizer que sem uma visão mística
da própria existência, será muito
difícil a realização cabal
da vivência humana de serenidade, e se tornará deprimente o confronto de cada um com a própria
condição de simples mortal. É preciso reconhecer
que o amor (caridade) ancora sua eficácia na misericórdia
divina, e o envolvimento existencial com um absoluto que nos empolga é o
antídoto definitivo para o “mal” do qual
o homem é autor
e vítima. Fora deste contexto místico a convivência com os nossos limites resultará
sempre numa gestalt aberta, geratriz de expectativa inquieta; e a vitória sobre o mal será
sempre uma vitória
de Pirro em que
o vencedor amarga seu feito no próprio sucesso.
A
autoafirmação pessoal exitosa começa com o reconhecimento de que
somos perecíveis, mas a nossa dignidade cresce
com o exercício da consciência
responsável de uma missão a cumprir neste mundo,
apesar de nossa impermanência. É verdade que somos contraditórios, mas
querermos elaborar , com
simplicidade , as antinomias
da existência, esforçando-nos, finalmente ,
para acolher com
respeito o irmão ,
sem cultivar mágoas ou
ressentimentos. Nessa caminhada o amor à verdade não
nos deixará enveredar pelos descaminhos da condenação leviana do outro ,
livrando-nos da intemperança e da cavilação .
Advirto-me de que no desvario
de uma perspectiva existencial
infantilmente crédula, surpreendemos-nos buscando segurança
nas fantasias , ancorados em arrimos discutíveis que
desejáramos transformar em
fortalezas inexpugnáveis .
Parafraseando, diria: algo assim como alguém que
se imagina seguro porque
sua poupança
é expressiva . Na verdade ele não está a
salvo de nada além da carência econômica imediata, porque no frigir dos ovos,
tudo passa, nada é definitivo. Situação equivalente é a do homem
que cuida com esmero
do seu condicionamento físico e imagina-se livre das doenças
que acometem os sedentários
e glutões . Todavia a proteção conferida pelos cuidados
preventivos realmente existe, mas é limitada,
porque há fatores genéticos
cujo determinismo
o exercício físico
e a dieta sadia retardam, mas não anulam totalmente .
Todos esses cuidados
são recomendáveis, mas na avaliação dos
seus resultados não se pode confundir a menor probabilidade
de ocorrência de um
mal , com
a segurança de estar definitivamente livre
dele. É bom sentirmo-nos confiantes na reserva vital que um bom condicionamento físico
nos garante, tal como
é compensador ter um sono tranquilo por nos sentir libertos de aperturas financeiras ,
confiando na poupança acumulada . Porém, mais sábio do que fiar-se em defesas
vulneráveis, é vivenciar que a maior segurança consiste na aceitação humilde objetivamente posta da
insegurança total, confiante na misericórdia divina.
Isto equivale a investir num arrimo interior absoluto (Deus), o sustento íntimo
que só a fé nos confere, necessário para continuar de pé quando tudo ao redor
está ruindo. E ao aceitar com serenidade a insegurança total, com fé na
proteção da misericórdia divina, nada mais sobra para causar insegurança. Certamente
esta aceitação é o resultado difícil de uma ascese rigorosa ao longo do processo
de individuação.
Estamos
morrendo todo o tempo ,
esta é a condição da própria vida; não se pode viver sem morrer, instante a
instante, na medida em que vivemos. E
nesta perspectiva não se consegue superar a vivência da
dicotomia vida
/ morte senão
mediante a inserção
pessoal numa experiência mística que
transcenda a antinomia do nosso vir a ser contingente, incluindo-se
o ser consciente num todo absoluto significativo, mediante uma experiência existencial
de confiança no amor divino universal.
A consciência
reflexiva depende, operacionalmente, do servomecanismo biopsíquico desenvolvido
no homem através do sistema nervoso central. Neste evento singular na história
da vida (revolução cognitiva), transpomos um
pseudo-hiato entre a infraestrutura
biológica e a superestrutura dos sentimentos e do pensamento
logicamente articulado. Considerando o todo - a gestalt consciência
mundo - esse hiato virtual representa a dobra [1]
entre a bioquímica
dos neurônios cerebrais e o pensamento , entre o biológico e o espiritual ,
entre a ciência
fenomênica imanente e a dimensão
metafísica do ser que se transcende pela consciência. É neste pseudo-hiato que se insere a experiência
mística , da prática
Zen ao êxtase
descrito por São
João da Cruz . Este
é o momento em
que o espírito
onipresente, mas imperceptível ,
mostra-se da maneira mais ostensiva ,
urdindo pela fé um contraponto autoconsciente na polifonia
da vida .[2]
Exatamente por
isto a complexidade humana não se exaure no fenômeno
biopsicológico e exige o arremate
místico para consumar-se. No pseudo-hiato entre o
biológico e o existencial se evidencia o Deus
inconsciente de que fala
Victor Frankel, ubíquo, apenas vivenciado no
subjetivismo do ser consciente como um Alter-Ego que, recursivamente,
acaba espelhando o próprio ego individual. É aí
que o Absoluto
se revela à nossa contingência
e conversa conosco
na mais total intimidade, embora escutemos apenas
a nossa voz e vejamos apenas a nós
mesmos. É aí que
se dá a conhecer o mistério
tremendo da parceria
entre a imanência e a transcendência , entre
o homem e Deus .
Se a solução do
problema humano não é racional, filosófica, porém mística, a oração será o
instrumento adequado para proteger o homem contra a devastação do medo da morte
e da angústia existencial. Despindo-me do racionalismo frio, retomo a postura
ingênua para, numa conversa honesta com o Criador, evocar as condições do momento
existencial perfeito numa Oração.
Oração
Deus permita-me a graça
de vivenciar a unidade
consciência - mundo ,
na intersecção das dimensões imanente e transcendente
do meu eu
mais profundo .
Amparado pelo mistério
da relação criatura–Criador, só em Ti encontro a força
necessária para
cumprir a missão
que me
reservaste neste mundo , alimentando a
esperança de alcançar a paz interior , elaborando com
simplicidade as antinomias da existência , acolhendo com
respeito meu
irmão , sem cultivar
mágoas ou
ressentimentos, perfilhando na comunhão fraterna a paternidade amorosa de Deus.
Everaldo
Lopes
[2] Um dia, a humanidade
inteira, oceano em calma,
há de fazer
numa só oração reunida, da razão e da fé os dois olhos da alma, da verdade e da
crença
os dois polos
do mundo. Antero de Quental em A velhice do Padre Eterno.
Painho, que texto tão lindo!!! Para mim teve um efeito de apaziguamento. Trata-se mesmo de aceitarmos a nossa humana condição marcada pela finitude, a maior de todas as nossas fragilidades. O imprevisível nos acompanha desde o momento de nossa concepção; tudo em nossa vida é uma contingência e o imprevisto sempre pode bater à nossa porta, a despeito de nos iludirmos permanentemente com o desejo de controle e autodeterminação. A atitude de entrega absoluta e incondicional à Deus parece-me a mais sábia mesmo. Também peço a Deus a graça da simplicidade que me permita integrar as dimensões imanente e transcendente em minha provisória passagem por esse mundo que vive abalos tão profundos...
ResponderExcluirMuito obrigada por nos oferecer a oportunidade de acompanhar os seus percursos existenciais marcado pela mais plena dignidade e humildade existencial que tive a oportunidade de conhecer na vida de um ser humano. Beijo com amor e admiração, da filha,
Ruth Vasconcelos
Painho, Que alegria ver você novamente postando suas reflexões aqui neste espaço!!!
ResponderExcluirLi e amei tudo que encontrei... Texto muito bem escrito e inteligente. Texto profundo que revela um percurso possível para enfrentar a finitude de nossas existências. Com a entrega ao Pai em oração e a vivência do amor , vislumbro também um caminho que suaviza a nossa angústia existencial!
Agradeç a Deus por ser sua filha...um previlégio ter um pai tão sensível,honesto e amoroso!
Eu amo vc pai.
Ginha
Que texto inteligente, ao tempo que mostra toda a sensibilidade e competência para tratar de um tema tão complexo.Tudo isto somado à espiritualidade profunda e lucidez do escritor. Que Deus continue iluminando este ser privilegiado, concedendo-lhe muita saúde e paz!
ResponderExcluirBelo texto painho! Feliz pela retomada do blog e agradecido pelo compartilhamento de sua visão sobre nossas fragilidades como seres finitos. Que sua oração tão sincera colabore para a concretização de seus anseios! Beijo do filho! Te amo
ResponderExcluirVôzão, adorei o texto!!!
ResponderExcluirQue gentileza compartilhar uma reflexão desse nível de profundidade e atenção para consigo mesmo e com o mundo. foi como um eterno presente no agora ler
ResponderExcluirvida longa ao seu blog
Myths of the NBA Betting Odds - Videodl.cc
ResponderExcluirMyths of the NBA Betting Odds. Myths of the NBA Betting Odds. Myths of the NBA Betting Odds. Myths of the NBA Betting Odds. Myths of the NBA Betting youtube to mp3 for android Odds. Myths of the NBA