A paixão pelo conhecimento tem que ver
com o desejo de explicar o mistério do cosmo e da vida sobre o qual se desdobra
o vir a ser existencial[1]. Daí
o esforço intelectual que absorve o pensador em busca de respostas para suas
indagações. E mais, quanto mais conhecimento tiver maior será sua compreensão da
realidade, corroborando o acerto das escolhas que faz. Arrebatado pela curiosidade o homem aspira a saber
cada vez mais sobre a verdade conjuntural, ciente porém de que esta aspiração
nunca será completamente satisfeita. O pensador percebe os seus limites
racionais e Incapaz de superá-los é levado
a projetar a atenção num Absoluto[2] criador a fim de explicar a existência do
mundo e a sua própria. Nessa perspectiva,
o indivíduo cria uma realidade que não pode objetivar, vivendo-a como crença que só se torna uma
verdade existencialmente consistente quando é consumada emocionalmente com grande convicção.
O ser consciente, reflexivo, é capaz
de usar os próprios recursos racionais para manipular sua circunstância, tendo
em vista a conquista de objetivos escolhidos em função de necessidades práticas,
ou da afirmação de um ideal. Esta capacidade se acompanha de flexibilidade
comportamental construtiva, excepcional na história da vida. Mas o dom especial do pensamento reflexivo e da
consciência inclui a percepção da finitude pessoal, o que gera conflitos
racionalmente insolúveis, ponto de partida da ansiedade e angústia existenciais.
Para superar esse mal-estar psíquico o homem confia em poder experimentar uma vivência mística que o faça sentir-se absorvido na paz de uma
transcendência na qual encontre o sentido de sua própria existência. Isso implica
ter fé num Absoluto que sustenta o ego inseguro
diante da consciência da finitude. A
necessidade de o homem transcender-se só se satisfaz neste Absoluto que preenche
a “falta” ontológica da qual o ser consciente se ressente, confusamente
percebida pela razão e afetivamente perturbadora para o eu pensante.
Indiferente às especulações
metafísicas, o Poeta propõe ao homem inquieto: “Dorme teu sono, coração
liberto, dorme na mão de Deus, eternamente”[3].
Entendendo que dormir na mão de Deus é conviver intimamente com Ele na plenitude
de uma experiência mística. Esta convivência é vivenciada psicologicamente como
a intimidade subjetiva com uma intuição reveladora da transcendência absoluta.
Na visão de mundo espiritualista, monista, criacionista, a morte
não é mais do que uma passagem para outro nível de existência. Nas cogitações
metafísicas que esta visão suscita vive-se neste mundo a liberdade do espírito,
incompletamente, como um estado d´alma, “o estado ideal: alma, o estado divino
da matéria”[4].
Pode-se especular sobre a transfiguração
da identidade pessoal, consolidada depois da morte biológica na comunidade de
todas as consciências em comunhão com o dinamismo absoluto criativo de Deus. Mas no nível do vir a ser temporal, o
homem consciente da própria finitude só se libertará da angústia existencial
mediante a maturidade pessoal forjada no “Amor”[5], no
sentimento de coparticipação com seus semelhantes num todo absoluto significativo
que transcenda a dicotomia Consciência / Mundo. Este sentimento vivido com
todas as potências da alma se exprime numa experiência amorosa que dá corpo à
raiz ontológica transcendental do homem, exorcizando o medo da morte e
das fantasias acompanhantes, pelo reconhecimento de que o óbito é apenas uma
passagem no retorno do ser consciente ao Absoluto que o criou. Poder-se-á,
então, dizer com Santo Agostinho: “A
morte não é nada. / O que eu era para vocês, continuarei sendo. / Passei a
viver no mundo do Criador / enquanto vocês continuam vivendo no mundo das
criaturas./ Que o meu nome seja pronunciado como sempre foi, / sem ênfase de
qualquer tipo, / sem qualquer traço de sombra ou tristeza. / Pense, sinta, reze
por mim. / O fio não foi cortado, / somente passei para o outro lado do
caminho. / E vocês que ficaram sigam em frente. / A vida continua sendo linda e
bela, como sempre foi”. Com essa linguagem simples o Bispo de Hipona
desmistifica a morte biológica, e celebra a beleza da vida temporal que se
prolonga na plenitude da vida eterna.
Dentro de uma visão de mundo espiritualista
monista criacionista a plenitude humana se constitui num ato de amor, uma
entrega incondicional. Não se pode controlar voluntariamente a vivência desta
entrega do sujeito consciente ao Dinamismo Absoluto eternamente criativo. A
prática amorosa é dom sublime que vai além de um ato voluntário. A rendição pessoal
a um absoluto transcendental implica na comunhão amorosa dos homens entre si e com
o Criador, experiência existencial inexcedível de fé, vivenciada mercê de uma graça[6]
particular. Portanto, o conhecimento não basta para preencher o abismo sobre o
qual se constrói a existência, é preciso amar; “Sendo que amar é muito mais
que crer”[7].
Everaldo Lopes
Tio Everaldo, sou grato pela suas generosas palavras. Em nossa modernidade tardia a tecno-ciência aponta para o esvaziamento da espiritualidade. Parece apostar que com seus recursos racionais produzirá a verdade do humano. Será que o pós-moderno é a retomada homocentrica?
ResponderExcluirAcredito em que haveremos de superar esta crise de espiritualidade que vivemos nestes dias turbulentos.
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